Eis os sinais que acompanharão aqueles que crerem. Àqueles que derem o coração a Deus, acompanhá-los-ão sinais, porque já sobre o seu coração há o sinal de que se lê nos Cânticos: Põe-me como um sinal em cima do teu coração (Cant 8,6). Quando queremos defender dos ladrões os nossos bens ou a nossa casa, costumamos pôr ali a insígnia ou a bandeira do rei ou de algum grande homem, para que à sua vista temam seguir para a frente. Também se queremos defender o nosso coração dos demônios, ponhamos sobre ele Jesus, que é salvação. E onde há salvação, ali há saúde. Eis os sinais: Em meu nome expulsarão demônios (Mc 16,17).
Aos demônios chamam os gregos daimones, isto é, peritos ou sabedores de coisas. A palavra demônio, em grego, significa o que sabe muito. Os demônios são a sabedoria da carne e a esperteza do mundo. Quais demônios, elas atormentam o espírito do homem e afligem o corpo com preocupações. A sabedoria da carne é o demônio noturno, a esperteza do mundo, o demônio meridiano. A sabedoria da carne é cega, embora esteja convicta que é de visão muito aguda – de noite é de visão muito aguda, como se fora um gato. A esperteza do mundo, porque arde com o calor da malícia, é semelhante ao sol do meio-dia. Aquele que deu o coração a Deus, lança fora de si estes demônios, e faz ainda todos os outros sinais dos quais fala o Evangelho. Falarão em novas línguas. A língua do mundo é língua velha, porque fala coisas velhas a respeito do homem velho. Aqueles a quem os sobreditos demônios atormentam, falam esta língua, mas os lançam fora de si, falam línguas novas, em vida nova. Diz Isaías: naquele dia, haverá cinco cidades na terra do Egito a falar a língua de Canaã e a jurar pelo Senhor dos exércitos: Uma será chamada Cidade do Sol (Is 19,18). A terra do Egito, que se interpreta trevas, é o corpo do homem, cheio de trevas pela pena e pela culpa. Nele há cinco cidades, os cinco sentidos do corpo, dos quais um, a vista, se chama Cidade do Sol. Assim como o sol ilumina todo o mundo, a vista ilumina todo o corpo. Estas cidades falam a língua de Canaã, isto é, mudada. Com a mudança da direita do Altíssimo, depõem o homem velho com os seus atos e revestem o novo, vivendo em justiça e verdade.
Assim como a fala exterioriza a palavra escondida no coração, os cinco sentidos do homem, já mudados e convertidos a Deus, falam dele externamente, tal que é no interior. Isto é o que significa jurar, afirmar a verdade. A verdade, pois, da consciência afirma-se com o testemunho da vida santa, para louvor do Senhor dos exércitos, Senhor dos Anjos. Sobre isto ainda se ajunta: Pegarão em serpentes (Mc 16,18). As serpentes simbolizam a adulação e a detração, que serpenteiam e injetam veneno. O adulador serpenteia, o detrator injeta veneno. Aqueles que falam novas línguas tiram estas serpentes de si. Retirem as coisas velhas da vossa boca (1Reis 2,3). A saliva do homem em jejum mata a serpente; a língua em jejum é uma espécie de língua nova, cujo antídoto anula o veneno. Mas a antiga serpente como que adulava Eva, quando dizia: De forma alguma morrereis de morte (Gn 3,4). Como que detraía de Deus, quando acrescenta: Deus sabe que, na hora em que comerdes dela, se vos abrirão os olhos e sereis como deuses, conhecendo o bem e o mal (Gn 3,5). Como se dissesse: Deus, cheio de inveja, proibiu-vos, não querendo que vos assemelhásseis a ele na ciência. Eis como o adulador se insinua e o detrator injeta o veneno. Aquele, porém, que está em jejum, cospe na boca da serpente, mata-a, e assim se livra dela.
Segue: E se beberem algum veneno mortífero, nada sofrerão. Comentário da Glossa: Quando ouvem as sugestões pestilentas, mas não as transformam em obras, isso não lhes faz mal, ainda que bebam algo de mortífero. Diz Isaías: Não beberão vinho cantando árias. A bebida será amarga para os que a beberem (Is 24,9). Por isso, não lhes fará mal. Não bebe o vinho da sugestão diabólica cantando árias quem não consente nela, antes a rejeita, se dói e lamenta. Por isso a própria bebida, a sugestão diabólica, é amarga para os que a bebem para os que a ouvem e a sofrem. Ao contrário, Joel: Despertai, ó ébrios, e chorai e uivai todos os que pondes as delícias em beber, porque ele foi tirado da vossa boca (Joel 1,5). Assim é a letra, porque as delícias do vinho depressa desaparecem da boca, desde que passa a garganta. Brevíssima demora da doçura quantos males gera aquele que bebe o vinho da sugestão diabólica, consentindo em espírito e em obras! Diz-se aos ébrios com tal vinho: Despertai, recordando o vosso pecado, chorai, arrependendo-vos de coração, uivai, confessando-vos. Portanto, todo o que possuir em si aqueles quatro sinais dos quais falamos, poderá fazer bem o quinto: Imporão as mãos sobre os doentes, e estes ficarão curados. Chama-se doente, por precisar de remédio ou medicamento. Doente é o pecador, que precisa muito de medicamento, do exemplo de boas obras. Põe as mãos sobre ele para o curar, para voltar à penitência, aquele que o conforta não só com a palavra da pregação, mas também com o exemplo da obra santa. Amém.
Santo Antônio de Lisboa, Obras Completas, Lello & Irmão – Editores, Porto, vol. II, pp. 925-929.
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