quinta-feira, 21 de abril de 2011

Aceitar e imitar a doação do Cristo

Terminada a Quaresma, com o Tríduo Sacro inicia-se a celebração pascal, pois a morte e ressurreição de Jesus Constituem uma unidade.Hoje, na Quinta-feira Santa, celebramos um “adeus”: a despedida de alguém que vai para o Pai (Jo 13,1; evangelho), mas que, ao mesmo tempo, deixa uma profunda nostalgia, sobretudo por causa do modo comoessa despedida será levada ao termo, na noite seguinte. Daí o espírito bem particular desta celebração: alegria, até jubilosa – o Glória (que não ressoará mais até a noite pascal). Mas é uma alegria em tom menor, misturada com lágrimas, uma alegria reticente, inibida. E a única liturgia do ano, em  que se canta o Glória, sem que se cante o Aleluia! Esta liturgia reflete bem o espírito dos fiéis diante dos últimos acontecimentos de Jesus. Eles sabem o que os Apóstolos naquela noite não sabiam: que Jesus está percorrendo seu caminho até a glória. Ao mesmo tempo, porém, sentem profundamente a dor desta noite de traição e aflição. Essa dupla consciência de catástrofe e de glória é o núcleo dos capítulos que S. João consagra à despedida de Jesus (Jo 13-17) e dos quais nós escutamos, nesta tarde, o início (evangelho). Esta consciência ficou clara para os cristãos, depois da Páscoa, graças à obra do Espírito Santo. Por isso, a despedida de Jesus volta também a ser lida nos evangelhos depois da Páscoa, que, em muitos pontos, se parecem com a celebração de hoje. Resumindo: contemplamos hoje o Servo Padecente, o homem das dores - mas com os olhos iluminados pela Páscoa. É esta a visão sobre Jesus que S. João nos ensina.


Apresenta-se a nós o “exemplo” da doação da vida que Jesus mostrou aos Apóstolos no começo da Ceia, lavando-lhes os pés. Com isso, ele deu a entender que ele é o Servo, que se humilha e carrega sobre si os pecados dos homens (tema da purificação, Jo 13,10). E quem não aceitar este serviço - veja a reação de Pedro - não pode ter comunhão com ele (13,8). Quem não aceita Jesus como o Servo que dá sua vida pelos seus irmãos, não tem parte na salvação que ele traz. Assumir na fé e na prática da vida o exemplo de Jesus (13,15), eis o verdadeiro sentido da “comunhão”, que é: participação na salvação efetivada por Jesus. Assim, a narração do lava-pés mostra por um exemplo o que significam as palavras de Jesus repetidas na oração eucarística: “Isto é o meu corpo, dado por vós... Este é o cálice do meu sangue... que é derramado por vós e por todos, para o perdão dos pecados...” E explica também o sentido profundo por que chamamos este rito de “comunhão”, isto é, participação com Cristo. A 2ª leitura nos apresenta o mais antigo testemunho da celebração eucarística, transmitida pelo apóstolo Paulo: o corpo e sangue de Jesus dados por nós .

A 1ª  leitura fornece o fundo histórico para situar a Última Ceia como refeição pascal na vida de Jesus e nas raízes 
judaicas da liturgia cristã. Conta a instituição da refeição do cordeiro pascal no antigo judaísmo, com o sentido salvífico que Israel aí reconhece: a libertação da escravidão. O salmo responsorial é um canto que os sacerdotes entoavam ao levantar o cálice da bênção, gesto retomado por Jesus na Última Ceia. O canto da entrada marca, desde o início, o retido júbilo desta celebração, citando as palavras de Paulo aos Coríntios: “Convém gloriarmos... na Cruz do Senhor Jesus Cristo”. Mas para respirar plenamente o espírito desta liturgia convém considerar também as antífonas e responsórios do Lava-pés (sobretudo In Hoc Cognoscent Omnes e Mandatum Novum), bem como a belíssima seqüência da comunhão, Ubi Caritas e Amor. De todos esses cantos existem boas adaptações em nossa língua. Esta liturgia deve fazer penetrar em nós, por seu rito e pela palavra que o explica, o sentido salvífico da Cruz de Cristo, no sentido de que o cristão, aceitando o esvaziamento de Jesus por nós e associando-se a seu modo de viver e morrer, entra na comunhão eterna com ele e com o Pai.

Do livro "Liturgia Dominical", de Johan Konings, SJ, Editora Vozes

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